João 16:33
Publicado em 15/09/2025
"Eu venci o mundo..."
33 Estas coisas vos tenho dito para que tenhais paz em mim. No mundo, passais por aflições; mas tende bom ânimo; eu venci o mundo.
João 16:33
Introdução
Imagine cena. Jesus caminhando pelas ruas estreitas e sinuosas de Jerusalém, sendo acompanhado por uma grande multidão que gritava e se acotovelava uns aos outros, lutando por um lugar melhor para acompanhar o cortejo. Jesus segue carregando a cruz, uma pesada cruz de madeira. Havia passado a noite anterior preso, e depois de interrogado por Pilatos foi duramente castigado com açoites e, por fim, lhe puseram uma coroa de espinhos na cabeça. Foi condenado à morte, morte violenta sobre a cruz.
Jesus segue seu caminho, hoje conhecido como "via crucis". Os soldados o acompanham exigindo que ande mais rápido, e para tal usam novamente o chicote. Isso faz parte da estupidez dos homens, que até hoje continuam achando que as pessoas trabalham melhor sob pressão do que em um ambiente mais humano e fraterno. O caminho é árduo. Jesus encontra-se cansado e ferido, já não consegue caminhar, seus pés vacilam e seu corpo não lhe obedece mais. Da sua testa escorre o sangue provocado pelos ferimentos dos espinhos, suas costas marcadas pelos vergões das chicotadas. Anda arrastando a pesada cruz, ouvindo os gritos e recebendo as cusparadas da multidão ensandecida. Encontra-se com as poucas roupas que lhe sobraram, seguindo seu caminho em direção a um pequeno monte fora da cidade onde será finalmente crucificado.
Jesus disse aos seus discípulos:
33 Estas coisas vos tenho dito para que tenhais paz em mim. No mundo, passais por aflições; mas tende bom ânimo; eu venci o mundo.
João 16:33
Venceu o quê?
Quem, num estado destes, pode dizer que venceu alguma coisa? Alguém que sofreu toda sorte de humilhação e escárnio, ferido e desfigurado, cercado por uma multidão ávida para vê-lo pendurado na cruz, sozinho... Venceu o quê?
Estas palavras de Jesus foram ditas antes da crucificação num contexto assim, no chamado "sermão de despedida", que ouvimos Jesus afirmar para seus discípulos sua vitória sobre o mundo, procurando animá-los e encorajá-los na caminhada da fé. Ele afirma sua vitória no seu caminho para a cruz.
Como alguém, em seu juízo normal, poderia acreditar nessa afirmação de Jesus? Como pode alguém que caminha sozinho para a morte, condenado à pena mais violenta e humilhante de morte na cruz, com o corpo todo tomado de sangue, afirmar que podemos ter ânimo, coragem, por que ele venceu?
No entanto, o que Jesus estava afirmando era a mais absoluta verdade.
A nossa maior batalha não é externa é interna
Jesus disse que no mundo teríamos aflições, mas nos chamou a ter bom ânimo, porque Ele venceu o mundo (João 16.33). Uma das maiores batalhas que precisamos enfrentar não é externa, mas interna: vencer o egoísmo e o orgulho que dominam o coração humano.
A parábola do camelo e do fundo da agulha ilustra bem esse desafio:
“É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que entrar um rico no reino de Deus.”[1]
Essa parábola mostra como as riquezas podem aprisionar o homem em si mesmo, tornando-o incapaz de servir e de depender de Deus. O rico, acostumado a ser servido, encontra dificuldade em descer do trono do orgulho; já o Reino de Deus chama para a humildade do serviço, o caminho pelo qual seguimos os passos de Cristo.
Assim, a vitória de Jesus sobre o mundo se manifesta também na transformação do nosso coração. Vencer o mundo significa não permitir que o egoísmo, o amor ao dinheiro ou o orgulho ditem nossas escolhas, mas deixar que a graça de Deus nos torne livres para servir. No Reino, grandeza não é medida pelo que acumulamos, mas pela disposição de entregar e amar. O Cristo que venceu o mundo nos capacita a vencer a nós mesmos, abrindo mão da autossuficiência e vivendo a verdadeira vida em serviço, para a glória de Deus.
Transição: Ele venceu porque...
O mundo tentou seduzi-lo com o poder, quis fazer dele um rei, cobri-lo de glória e lhe dar um trono, mas não conseguiu, eu venci o mundo.
Ele disse: O meu reino não é deste mundo.
Ele resistiu as tentações insistentes (Hebreus 4.15-16), que muitas vezes parecia ser um caminho mais fácil.
No deserto, logo após o batismo, Jesus enfrentou a investida de Satanás (Mt 4.1-11; Lc 4.1-13). Ali, Ele foi tentado a transformar pedras em pães, a conquistar glória sem cruz e a provar Seu poder de forma espetacular. Cada tentação representava uma síntese das paixões humanas: o desejo da carne, o desejo dos olhos e a soberba da vida (1 Jo 2.16). Onde Adão cedeu no Éden e Israel fracassou no deserto, Jesus permaneceu firme, mostrando que o Reino de Deus não se edifica pela satisfação imediata, pelo poder político ou pela manipulação de Deus, mas pela obediência à Palavra.
Porque o Poder dá a sensação de independência, controle e domínio. Com ele parece mais fácil resolver os problemas do mundo, como fome, as injustiças, a violência, o desemprego. Muitas vezes, o desejamos com a melhor das intenções; mas para mantê-lo, tornamo-nos inevitavelmente egoístas e independentes. Mas Jesus decidiu permanecer ao lado do Pai, fazendo da vontade dele. Ele dizia: minha comida e bebida todos os dias; ao invés do poder, escolhi a submissão; ao invés do domínio, escolhi o amor; ao invés da solução fácil e mágica, escolhi a fraqueza da humanidade.
Ao vencer as tentações, Jesus nos mostrou que é possível resistir ao mundo com a Palavra de Deus. Ele mesmo respondeu três vezes com o “está escrito”, ensinando-nos que a Escritura é a arma eficaz contra as seduções do inimigo (Ef 6.17). Sua vitória nos abre caminho para também triunfarmos em nossas batalhas espirituais. Como está escrito em Hebreus 4.15, temos um Sumo Sacerdote que foi tentado em tudo, mas sem pecado. Portanto, em Cristo, temos não apenas um exemplo, mas um Salvador que venceu por nós e nos capacita a vencer.
O mundo tentou seduzi-lo com a glória do poder, mas ele afirma: eu venci o mundo.
Transição: Ele venceu porque...
O mundo tentou plantar o ódio e a amargura. As pessoas que falaram mal de Jesus; outros traíram e o abandonaram; foram vários os momentos em que ele se viu muito só... E mais uma vez mais, o mundo não conseguiu, ele venceu o mundo.
Jesus amou todos os que vieram a ele, todos, inclusive aqueles que teciam o mal, que arquitetavam em seus corações os planos mais perversos. Ricos e pobres, homens e mulheres, velhos e crianças, romanos, judeus e gentios, todos foram amados indiscriminadamente.
Amou sem jamais ser falso. Nós sabemos que às vezes é mais fácil ignorar, fingir que não é com a gente, ser indiferente; ou, em situações extremas, preferimos usar as mesmas armas da violência, da astúcia e do engano. Mas Jesus não foi assim, ele venceu o mundo.
Muita gente achava Jesus era ingênuo, que não entendia a maldade do mundo, que não percebia a falsidade das pessoas. A verdade é que ele conhecia, e conhecia muito bem, mas ele optou por um outro caminho, o da reconciliação e da paz.
No Getsêmani e na crucificação, Jesus se deparou com a violência humana em seu auge. Soldados o prenderam, discípulos o abandonaram, e Ele foi esbofeteado, escarnecido e pregado na cruz. O mundo reagiria com ódio e vingança, mas Jesus respondeu com amor e perdão. Sua oração na cruz — “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem” (Lc 23.34) — é a expressão máxima da vitória sobre o ódio. Ele mostrou que o amor é mais forte do que a violência, e que a mansidão tem mais poder do que a espada.
Esse ensino ecoa em Romanos 12.21: “Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem.” Cristo não apenas ensinou isso, mas viveu até o fim. A lógica do mundo é revidar, mas a lógica do Reino é amar até os inimigos (Mt 5.44). A vitória de Jesus sobre o ódio nos chama a sermos pacificadores (Mt 5.9), agentes de reconciliação em um mundo marcado por guerras, vinganças e divisões. Quem está em Cristo vence o mundo não retribuindo violência com violência, mas refletindo o amor transformador do Senhor.
O mundo o tentou tirá-lo do caminho ao provocá-lo com ódio e a vingança, mas não conseguiu, ele venceu o mundo.
Transição: Ele venceu porque...
No ministério terreno, Jesus constantemente confrontou a religiosidade vazia dos escribas e fariseus. Eles buscavam os primeiros lugares, faziam longas orações para serem vistos e colocavam fardos pesados sobre os outros sem tocá-los com o dedo (Mt 23.1-7). Esse comportamento revelava o orgulho humano que deseja status diante dos homens, mas não verdadeira justiça diante de Deus. Jesus venceu esse sistema ao viver em perfeita integridade e obediência, não buscando glória própria, mas a do Pai (Jo 8.50).
Essa vitória também é nossa chamada. Paulo ensina em Romanos 12.2 que não devemos nos conformar com o padrão do mundo, mas sermos transformados pela renovação da mente. A hipocrisia é, na verdade, uma forma de mundanismo religioso, que vive de aparências e não de essência. Cristo nos liberta disso, chamando-nos a uma espiritualidade autêntica, que adora “em espírito e em verdade” (Jo 4.24). No Reino de Deus, não há espaço para máscaras: somos chamados a uma vida de transparência diante de Deus e de serviço genuíno ao próximo.
Transição: Ele venceu porque...
O mundo quis também fazer dele um grande líder, alguém cuja importância e brilho iriam ofuscar a glória do Pai, mas não conseguiram, ele venceu o mundo.
Em nenhum momento Jesus pretendeu tornar-se o centro, seguir seu próprio caminho, ter sua autonomia. Os seus olhos estiveram durante toda a sua vida voltados para um único lugar, o trono do Pai. Para isto, ele assumiu a forma de servo. Foi humilhado, ultrajado e ferido, mas permaneceu obediente até a sua morte.
Ser um líder aclamado e reconhecido é um desejo de todo ser humano. Muitos dos que o seguiram viram alguns milagres que ele realizou em nome do Pai, e quiseram imediatamente transformá-lo num líder, mas ele preferiu continuar sendo um servo; aliás, ele procurou se afastar da multidão (João 6.14-15) porque percebeu que não o buscavam por causa da reconciliação e perdão, mas por causa dos seus milagres, dos seus poderes; estavam mais interessados nas bênçãos do que no reino do Pai. Não imagine que isso foi fácil. A pressão de uma multidão carente é uma arma muito sutil do mundo, mas não conseguiram; Jesus continuou no seu caminho sendo apenas um servo. Ele venceu o mundo.
Transição: Ele venceu porque...
A maior arma do mundo contra o homem é a morte. O pecado trouxe essa realidade, e o medo dela escraviza a humanidade (Rm 6.23; Hb 2.15). Mas Jesus, ao entregar Sua vida na cruz e ressuscitar ao terceiro dia, venceu o poder da morte. A ressurreição é o selo de Sua vitória, como Paulo proclama: “Onde está, ó morte, a tua vitória? Onde está, ó morte, o teu aguilhão?” (1 Co 15.55). Em Cristo, a morte deixou de ser o fim desesperador para tornar-se passagem para a vida eterna.
Essa vitória é aplicada a nós pela fé. Jesus declarou em João 11.25: “Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em mim, ainda que morra, viverá.” O cristão não precisa viver aprisionado pelo medo da morte, porque sua esperança está segura em Cristo ressuscitado. Essa é a vitória final sobre o mundo: o último inimigo foi derrotado (1 Co 15.26). Assim, viver pela fé em Cristo significa enfrentar a vida e até a morte com esperança, sabendo que Aquele que venceu o mundo e a morte nos conduz à vida eterna com Ele.
Conclusão
Jesus venceu o mundo com a mansidão, a simplicidade, a justiça, a santidade e de muitas outras virtudes que terminaram levando-o ao Calvário.
Jesus venceu o mundo diante da conversa que tivera no pretório com Pilatos, quando afirmou a sua autoridade e poder para condenar ou absolver. Mas Jesus continuou fiel ao reino do seu Pai, um reino que não pertence a este mundo.
Jesus venceu o mundo. Era impossível reconhecer naquele condenado fraco e ensanguentado um vencedor. A multidão à sua volta, eufórica com aquele espetáculo, via ali um pobre coitado, um perdedor vencido pela fúria e loucura humanas. Jesus venceu e encoraja seus discípulos dizendo: "No mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo, eu venci o mundo". O mundo realmente não conseguiu vencê-lo. Por um momento até achou que havia conseguido, afinal ele estava a caminho do Calvário. Jesus morreu desacreditado pelos homens e líderes religiosos. O homem que o mandou para a cruz era, por certo, um político influente, ambicioso e poderoso, um vitorioso. Por um momento, o mundo parou para ver a derrota do Filho de Deus, mas coube à ressurreição demonstrar quão gloriosamente nosso Senhor venceu. Foi a vitória da justiça, do amor, da paz, do perdão e da reconciliação que derrotou a arrogância e o pecado humano.
Jesus não tomou atalhos, como propôs satanás, ele não tomou o caminho curto e fácil.
- O caminho fácil não exige renúncia – ele renunciou para ser servo.
- O caminho fácil simplifica a fé – Mas Jesus preferiu a obediência.
- O caminho fácil quer substituir a cruz
Jesus não buscou a glória fácil, nem cedendo ao ódio e à amargura. Ele venceu também a hipocrisia religiosa e a maior de todas as ameaças: a morte. Na cruz, parecia um derrotado, mas na ressurreição se revelou o verdadeiro vencedor. Essa vitória não é apenas d’Ele; é também para nós. Quando Ele diz: “Tende bom ânimo, eu venci o mundo” (Jo 16.33), está afirmando que em Sua vitória está a nossa esperança, e que aquilo que era impossível ao homem — vencer o pecado, o egoísmo, o orgulho e o medo — tornou-se possível pela graça de Deus.
Portanto, seguir a Cristo é viver a partir dessa vitória. Não vencemos com espada, mas com amor; não com acúmulo, mas com serviço; não com arrogância, mas com humildade. A cruz é o caminho da vitória, e a ressurreição é a certeza de que nada pode nos separar do amor de Deus (Rm 8.37-39). Hoje, a pergunta é: vamos continuar vivendo como se o mundo tivesse vencido, presos ao egoísmo, orgulho e medo, ou vamos nos render ao Vencedor e experimentar a paz que só Ele pode dar? A escolha é clara: em Cristo, somos mais que vencedores.
Jesus disse:
23 Dizia a todos: Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, dia a dia tome a sua cruz e siga-me. Lucas 9:23
25 Grandes multidões o acompanhavam, e ele, voltando-se, lhes disse: 26 Se alguém vem a mim e não aborrece a seu pai, e mãe", e mulher, e filhos, e irmãos, e irmãs e ainda a sua própria vida, não pode ser meu discípulo. 27 E qualquer que não tomar a sua cruz e vier após mim não pode ser meu discípulo. Lucas 14:25-27
Tenham ânimo, Jesus venceu o mundo!
Ilustração: Corrie ten Boom e o guarda de Ravensbrück
Corrie ten Boom era uma cristã holandesa que, junto com sua irmã Betsie, ajudou judeus a escaparem da perseguição nazista durante a Segunda Guerra Mundial e foi presa em Ravensbrück, um campo de concentração feminino na Alemanha. Mesmo em meio a torturas, privações e à morte iminente, Corrie manteve firme sua fé e nos campos continuou a pregar o evangelho. Após a guerra, ela voltou a viajar e testemunhar sobre a fé e o perdão de Cristo. Já em 1947, durante uma palestra em Munique, Corrie entrou em contato com um antigo guarda do campo que havia sido um dos responsáveis pelo sofrimento que ela e sua irmã enfrentaram. Ao vê-lo, Corrie teve de enfrentar seu próprio ressentimento e dor — e, naquele momento, tomou uma decisão radical: ela estendeu a mão e disse:
“I forgive you, brother. with all my heart — Eu te perdoo, irmão. Com todo o meu coração.”
Por um instante, as duas mãos se apertaram, e Corrie relatou: “Nunca havia conhecido o amor de Deus tão intensamente como naquele momento.”
O que há de notável nessa cena é que a fraqueza aparente — o trauma, o sofrimento, a memória de injustiça — não foi o que determinou a narrativa final. A fraqueza de Corrie poderia ter sido um ponto de derrota e de vingança, mas ela foi transformada pela graça e se tornou uma ponte de reconciliação. Essa foi uma vitória “mundial”: Corrie venceu o ódio e o desejo de retribuição, não por força própria, mas por uma confiança profunda naquele que venceu a morte e o mal. Essa é a mesma vitória que Jesus conquista para nós em João 16.33 — uma vitória que nos leva ao serviço humilde, ao perdão generoso e à entrega total.
[1] Mateus 19:23-24, Marcos 10:23-25 e Lucas 18:24-25
(31) 996297982
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